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SP - Litoral,03/10/2024

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    Estudo descreve relação entre moscas sem asas e morcegos

    Fonte: revistapesquisa.fapesp.br
    Estudo descreve relação entre moscas sem asas e morcegos

    Uma mosca sem asas que vive em um mamífero com asas. A parasita se alimenta do sangue do hospedeiro que, no imaginário popular, é o grande vampiro da natureza. Os morcegos desta reportagem não se alimentam de sangue, mas de insetos (e alguns frutos também). A peculiar relação entre as moscas Basilia travassosi e os morcegos Myotis lavali acaba de ser descrita em artigo publicado em julho na revista científica Parasitology Research.


    O estudo foi difícil de fazer, uma vez que os morcegos Myotis caem pouco nas redes de neblina, pois têm um sistema de ecolocalização muito sensível e conseguem se desviar a tempo. Elas são compostas de uma malha de fios tão finos quanto o cabelo humano e costumam ser utilizadas para capturar morcegos por dificilmente serem detectadas pelo sistema de ecolocalização desses animais. “Instalamos as redes em ambiente aberto, em borda da mata ou atravessando corpos-d’água, onde provavelmente esses mamíferos voadores estão mais ativos”, detalha o biólogo Eder Barbier, pesquisador em estágio de pós-doutorado na Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Jaboticabal, e primeiro autor do artigo.


    Ao todo foram capturados 165 indivíduos e, deles, coletadas 390 moscas, uma amostra de tamanho incomum nos estudos dessas espécies. “Até então, tínhamos pouca amostragem desses morcegos e, por consequência, poucos dados quantitativos dessa mosca”, ressalta o biólogo Gustavo Graciolli, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), que não participou do estudo. “Por isso, os dados descritos no artigo são raros.”


    A captura foi realizada na Reserva Biológica de Saltinho (Rebio Saltinho), uma unidade de conservação federal localizada em Pernambuco que abarca um fragmento de Mata Atlântica. Uma vez capturados, os morcegos passaram por triagem com identificação do sexo, pesagem e análise das condições gerais de saúde, e as moscas foram coletadas. Com tamanho que chega a 5 milímetros, elas são recolhidas com pinças, enquanto o pesquisador contém o morcego na mão.


    Os insetos da espécie Basilia travassosi são ectoparasitas exclusivos de morcegos, o que significa que não podem viver sem habitar o hospedeiro e se nutrir dele. Sem asas, vivem em meio à pelagem, fixas ao hospedeiro por uma espécie de garra nas pernas. Também têm os olhos reduzidos e uma compressão dorsoventral do tórax, o que as torna achatadas e parecidas com aranhas.


    Gustavo Graciolli / UFMSGanchos nas pontas das patas permitem às moscas parasitas, como esta Basilia rondanii, agarrar-se à pelagemGustavo Graciolli / UFMS


    Em meio a tantas diferenças com seus congêneres alados, o processo evolutivo preservou os halteres, uma estrutura localizada na parte traseira do tórax, característica distintiva de moscas e outros dípteros (insetos de duas asas) que ajuda a manter o equilíbrio e a orientação durante o voo. Essa mosca também preservou o ptilínio, uma estrutura na parte anterior da cabeça que ajuda na eclosão ao fim da metamorfose.


    Existem duas famílias de moscas ectoparasitas de morcego: Nycteribiidae, da qual faz parte a espécie Basilia travassosi encontrada em Pernambuco, e Streblidae. Em algumas espécies, as asas foram preservadas e seguem funcionais. Em outras, são reduzidas. Em todas, as moscas passam a vida parasitando morcegos. Apenas as fêmeas descem brevemente do animal para depositar a única larva que gestam a cada vez nas paredes do abrigo onde os morcegos dormem – em geral uma caverna. Ali os filhotes se transformam em pupa, o último estágio antes da fase adulta. Assim que eclode, a nova mosca busca um hospedeiro e horas depois está disponível para reprodução. A estimativa é de que na natureza vivam cerca de seis semanas.


    Eder Barbier / UnespAlgumas espécies da família Streblidae, como Trichobius johnsonae, têm asas funcionaisEder Barbier / Unesp


    Um dos achados do trabalho de Barbier é o que os especialistas chamam de distribuição agregada: muitas moscas parasitando poucos morcegos. “Normalmente é assim. Não sabemos se tem a ver com o local em que eles vivem ou se é uma característica do indivíduo em si”, pondera Graciolli, estudioso das moscas de morcego desde os anos 1990.


    O artigo também evidencia uma relação entre as taxas de parasitismo e os períodos de chuva e seca. As moscas são mais abundantes durante a estação chuvosa, coincidindo com o pico da fase reprodutiva dos morcegos. Uma explicação pode ser o contato maior entre os mamíferos, que facilita o deslocamento dos parasitas entre hospedeiros, embora outros estudos indiquem que o aumento dos níveis de testosterona pode levar a uma imunossupressão, deixando os machos mais suscetíveis à infestação.


    “O que observamos é que, quando a quantidade de moscas por hospedeiro é mais elevada, pode aumentar o desgaste energético para o morcego. Ele passa mais tempo fazendo a autolimpeza, atividade chamada de grooming, e com isso despende mais energia quando deveria estar em repouso, durante o dia”, explica Barbier.


    Eder Barbier / UnespFêmea de morcego-de-cauda-curta carregando filhote: oportunidade de transmissão de parasitasEder Barbier / Unesp


    Vetores

    Atualmente, o biólogo estuda, com apoio da FAPESP, a capacidade de transmissão de doenças entre os morcegos por meio das moscas. “Aparentemente elas têm um papel maior do que pensávamos na ecologia de doenças. Já existem trabalhos que detectaram patógenos nas moscas, mas ainda não há confirmação de serem vetores eficientes.”


    Compreender essa dinâmica parasito-hospedeiro é importante para identificar o surgimento de novas doenças que podem chegar aos seres humanos. “O gênero Basilia é vetor de malária entre morcegos, que é assintomática e não causa doença entre eles. A bactéria Bartonella pode ser transmitida entre os morcegos. Tem alguns trabalhos hoje bem interessantes sobre isso, mas ainda não está comprovado o agente vetorial”, enfatiza Graciolli. Não há registro de transmissão dessas doenças de morcegos para humanos.


    O sistema imunológico dos morcegos tem sido objeto de estudo, uma vez que, segundo Barbier, eles não adoecem na maioria das doenças infecciosas. “O acesso a seres humanos normalmente envolve um hospedeiro intermediário, no qual o vírus ou a bactéria sofre mutações”, explica. “Estudar a competência vetorial das moscas acaba sendo importante para compreender as doenças de morcegos e, por consequência, possíveis doenças emergentes em seres humanos.”


    Projeto

    Bartonella spp. em morcegos cavernícolas e seus dípteros ectoparasitos: Diversidade, relações filogenéticas e rede de interações (23/09610-8). Modalidade Bolsas no Brasil ‒ Programa Fixação de Jovens Doutores; Convênio CNPq; Pesquisador responsável Marcos Rogério André (Unesp); Bolsista Eder Silva Barbier; Investimento R$ 46.711,80.


    Artigo científico

    BARBIER, E. et al. A wingless fly on a winged mammal: Host-parasite dynamics between Basilia travassosi (Diptera: Nycteribiidae) and Myotis lavali (Chiroptera: Vespertilionidae). Parasitology Research. v. 123, 269. 12 jul. 2024.




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